COP30 marca avanço histórico para a agenda oceânica internacional

A atuação da Enviada Especial para Oceanos impulsionou a consolidação do bioma como pilar estratégico das decisões climáticas globais

Fundadora do IAR atuou como ponte entre a presidência da COP30, sociedade civil e academia, levando propostas e trazendo debates | Foto: Divulgação.

A COP30, realizada pela primeira vez no Brasil, marcou um momento decisivo para a pauta oceânica nas negociações internacionais do clima, consolidando-se como um dos eixos centrais das soluções globais para enfrentar a crise climática. Esse avanço se deve à atuação da Enviada Especial para Oceanos da conferência, Marinez Scherer, professora de Ciências do Mar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e fundadora do Instituto Ambientes em Rede (IAR). Ao longo dos meses de preparação e durante as duas semanas de negociações em Belém, Marinez mobilizou articulações políticas, técnicas e diplomáticas que resultaram em entregas importantes para a governança oceânica global.

Durante o discurso de abertura da Cúpula de Líderes, diante de chefes de Estado e delegações de mais de 190 países, ela sintetizou o recado da conferência: “Se quisermos enfrentar a crise climática, precisamos garantir a saúde dos ecossistemas costeiros e marinhos.” O gesto marcou simbolicamente a entrada definitiva do oceano no centro das decisões multilaterais.

Soluções prontas para implementação: Pacote Azul e Mutirão Azul

Entre os resultados de maior impacto está o Pacote Azul (Blue Package), apresentado por Marinez como uma síntese de iniciativas já testadas em diversos países e que demonstram resultados concretos em mitigação e adaptação climática. Construído no âmbito da Agenda de Ação, o documento reúne mais 90 soluções baseadas no oceano e nos ecossistemas costeiros, fortalecendo o entendimento de que o mundo não parte do zero. Há experiências maduras, replicáveis e prontas para serem incorporadas às políticas públicas.

A COP30 também marcou o lançamento da primeira ferramenta global de monitoramento da implementação da ação climática oceânica e dos Ocean Breakthroughs, que operacionalizam o Pacote Azul. O instrumento inaugura um novo padrão de transparência e acompanhamento internacional.

Outra iniciativa de destaque foi o Mutirão Azul, plataforma aberta por Marinez e parceiros para identificar projetos de ação climática já em curso no ambiente marinho. A chamada reuniu 69 iniciativas, mais de 50% lideradas por mulheres, enviadas por organizações não governamentais, povos e comunidades tradicionais, escolas, empresas e governos. Os dados confirmam que a ação climática baseada no oceano já está acontecendo. “O que precisamos agora é acelerar a implementação”, destacou Marinez.

Novas coalizões e compromissos globais

A conferência consolidou avanços estratégicos na governança internacional. Foi lançada a Força-Tarefa Oceânica Brasil–França, voltada a apoiar países na inclusão de metas de proteção marinha em seus planos climáticos nacionais (NDCs). Outro destaque foi a adesão do Brasil ao Painel de Alto Nível para uma Economia Oceânica Sustentável, comprometendo-se a gerir de forma sustentável 100% das águas sob sua jurisdição até 2030. O compromisso posiciona o país entre os protagonistas da agenda oceânica global e integra o esforço do Blue NDC Challenge, que estimula nações a incorporar metas oceânicas em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas.

Além dos países que já integravam o grupo, como França, Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau, Seychelles, Chile, Madagascar e Reino Unido, a COP30 registrou a adesão de Bélgica, Camboja, Canadá, Indonésia, Portugal e Singapura, incluindo quatro das dez maiores economias do mundo.

A conexão com o Programa Bandeira Azul

Além dos avanços diplomáticos, Marinez participou de debates técnicos na Blue Zone e em pavilhões temáticos, reforçando a importância do planejamento e da gestão sustentável dos oceanos e das zonas costeiras, bem como a urgência de ampliar soluções baseadas na natureza. Nas agendas desenvolvidas em parceria com o IAR, ela destacou o papel do Programa Bandeira Azul, referência internacional na qualificação ambiental de praias, marinas e embarcações. Em Belém, o programa foi apresentado sob uma perspectiva histórica, evidenciando como sua metodologia transforma práticas locais de gestão costeira em políticas públicas, algo crucial em um momento em que o oceano assume centralidade na agenda climática.

O Bandeira Azul demonstra, de forma concreta, como decisões bem estruturadas na escala local podem gerar impactos globais: monitoramento contínuo da qualidade da água, governança participativa, educação ambiental integrada, ordenamento do uso do território e ações permanentes de conservação. Cada bandeira hasteada representa um território que já aplica, no cotidiano, princípios alinhados aos grandes acordos climáticos internacionais.

Ao aproximar as discussões da COP30 de práticas que já acontecem na ponta, o Bandeira Azul reforça que a governança marinha se constrói nos municípios, nas comunidades costeiras e no engajamento da sociedade. Esses elementos são pilares centrais da atuação do IAR e fundamentais para a consolidação de uma agenda oceânica robusta e efetiva.

Um novo capítulo para o oceano

O documento final da COP30 reforçou a necessidade de conservação da natureza, incluindo os ecossistemas marinhos, como condição essencial para enfrentar a crise climática. A inserção explícita do oceano no texto político da conferência consolidou a nova fase da agenda internacional.

Para Marinez, os resultados alcançados abrem um ciclo de oportunidades, mas também uma etapa de responsabilidade. “A COP30 alinhou forças e consolidou estratégias importantes, mas o desafio real agora é transformar compromissos em implementação. A participação da Enviada Especial deixa um legado concreto. Fortalece a presença do oceano nas negociações internacionais, cria instrumentos para monitoramento e aceleração das soluções marinhas e projeta o protagonismo do Brasil em uma agenda construída com forte participação da sociedade civil.

O próximo passo é avançar da mensagem à prática, garantindo que as soluções já identificadas se tornem políticas eficazes. A COP30 se encerra como um marco. O oceano deixa de ser coadjuvante e passa a ser componente estrutural das decisões climáticas globais.

Matheus Bonfim